quinta-feira, 20 de setembro de 2007

o azul de Miró


a beleza do mundo em azul e vermelho

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

encontro em mudança


Há pessoas que nos tocam particularmente, sem sabermos porquê. São pessoas que, num impulso, num tempo rápido e fugidio nos tocam profundamente. Muitas vezes sem terem consciência do efeito que deixam nos outros.
Existe esse tipo raro, precioso de pessoas que dão ânimo, trazem vida, provocam sonhos e desejos, abrem horizontes e deixam-nos uma espécie de dorzinha chata no estômago, especialmente na hora da despedida.
São momentos valiosos esses, muito acima dos actos quotidianos, das acções e pensamentos, das decisões de todos os dias. É um privilégio ter um acontecimento assim na vida. É uma chatice também, no que toca à vida pragmática que temos de manter: o sono torna-se mais difícil (o que faz com que o empenho nos dias seguintes vá esmorecendo, coitado), a fome não aperta tanto (o que até é bom, porque precisamos de fazer menos abdominais enquanto esperamos o próximo encontro), a concentração fica pelas ruas da amargura, a paciência é pouca e ficamos com a carteira a chorar da vontadinha irresistível de ir às compras, comprar especialmente coisas que nos valorizem, que nos façam interessantes (é verdade realmente que o que torna alguém interessante não se compra, mas a razão entontece nessas alturas).
Isto de dizer nós, as pessoas, o geral, o cidadão, é uma fachada descarada. Quero dizer eu. Eu mesmo. Eu, que ando com mais dificuldade em adormecer, Eu que ando (que ninguém me contradiga neste momento difícil) um pouco mais elegante (apesar de, segundo linguagem técnica actual, precisar na mesma de tonificar e refirmar toda a zona gluteo-abdominal e peitoral), Eu, que raramente tenho vontade de comprar roupa, ficar entusiasmado com as montras, especialmente as impossíveis. Eu, que agora é que gostava de ter uma casa com uma vista maravilhosa sobre a cidade e o rio, grande, clara, límpida, cheia de coisas indianas e antiguidades, em suma, uma casa que impresionasse e que desse vontade de dizer “não me apetece ir embora”, Eu, que sem ter paciência nenhuma para isso, me autocritico por não fazer mais (é um aforismo) exercício, porque realmente um peito entroncado até ajuda a aquecer o interesse. Ou seja, uma completa tontice. Ou será que não?
Reconheço tudo isso, e aceito, vivo até com isso, até porque são tudo coisas que me faziam bem.

Mas o que mais me impressiona é o que fica sob estas mudanças à flor da pele.
É o facto de, em segundos, em momentos rápidos, indecisos, ficar tão tocado, tão marcado por alguém. É o facto de, de repente, me sentir leve, calmo, vivo, confortável, me sentir eu mesmo, sem ter nada mais para fazer ou ser senão isso. Como é que nos sentimos tão bem ao pé de alguém que acabámos de conhecer? Como é que uma pessoa nos faz sentir assim?

É um sentimento de reconhecimento.
Do outro ser e de mim mesmo. A profunda consciência de que, numa conversa rápida e não demasiado íntima, se cruzam, realmente, duas histórias de vida, dois mundos interiores, que podem tocar tão fundo e deixar uma memória tão perene. O que é que explica que, num curto espaço de tempo, o facto de nos sentarmos lado a lado me faça sentir tão seguro e transparente? Sem vontade de seduzir, ampliar, transformar, mas de me dizer com segurança, com nitidez e verdade?
E durante tudo isso, que na verdade são breves momentos, a vontade da viagem, da descoberta mútua com os horizontes largos, claros, a descoberta do mundo.
Alguém que nos faz querer descobrir o mundo todo só pode ser boa pessoa.

Mas claro, o que é bom acaba depressa, diz essa verdade incómoda popular. É verdade!
O tempo é um amigo desonesto nestas alturas.
E o depois, o depois, isso é outra conversa.
Pode tudo isso que sentimos, toda essa força luminosa que nos entra na vida, toda aquela calma e segurança, toda aquela vontade de andar em frente, ser apenas meu? Ser apenas eu? E então aquele ambiente, aquele clima, aquele silêncio tímido, aquele sorriso simpático, aquele vulto contraluz? Afinal nada disso existiu?
Parece impossível, porque o interesse despertou depois daquele sorriso, ou ao dar conta de um daqueles olhares de soslaio. Mas isso é o que senti e posso estar a dar um valor enorme a algo simples e corriqueiro.
(há pessoas realmente simpáticas, é verdade. Apenas simpáticas. E deviam ser proibidas de sair à rua, porque são simpáticas demais).
Mas será possível que esta sensação, tão verdadeira e óbvia (para mim) de que existiu algo mútuo, bonito, inesperado, surpreendente, pode ser apenas minha? Não! Não quero. Isso não. Que nada mais aconteça, que não nos conheçamos mais, já é difícil, agora que nada, mesmo nada, nem um ambientezinho de um hipotético embaraço mútuo não tenha acontecido, isso é demais.

Existem realmente, e felizmente, pessoas capazes de atrairem, de despertar ou outros. Ainda bem. Mesmo quando é difícil viver com isso, ainda bem.
Porque acontecimentos destes são raros, e bons. E continuo sem perceber como é que é possível que alguém que não conhecemos nos fique tanto na memória e nos crie insónias.
Mas o que vale é a beleza de tudo isto. De algo surpreendente, que muito raramente se sente. De que podemos descobrir num segundo a pessoa com quem poderemos querer partilhar a nossa vida. De que subitamente nos podemos sentir em casa, regressados ao que verdadeiramente somos.

Há pessoas que nos fazem dizermo-nos.
E aqui vai, no segredo natural da intimidade, o meu sincero obrigado.

P.S.
Vivam as mudanças!