quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Água


Nesta noite outonal tenho escolhido para banda sonora a música do filme Water, da realizadora Deepa Mehta. O filme é muito, mas mesmo muito bonito. É passado quase sempre nos ghats nas margens do Ganges. Tem um tom azul marcante, com os dias a nascerem cobertos de uma névoa leve. A água sempre presente, no rio, na chuva, na neblina quente.
A música é também assim. Aérea, fluida, misteriosa, melancólica.
Memórias de uma Índia que reconheço no branco do algodão e nos cheiros que se adivinham pelas imagens, na vida que até na morte teima em continuar. O sentimento de que algo muito antigo e em constante criação visita a terra e nos convida a ficar. A sensação que se insinua de que o silêncio aqui é criador, e que se alimenta dos ruídos e movimentos, para, a cada novo nascer do sol, os tornar luz e névoa. Para mais uma obra criadora e transbordante de vida.

Aqui vai o link da música de abertura: http://www.ijigg.com/songs/V2GECCBPA0. Esperem um pouco que a música começa. Tem também o album todo.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Chuva em Lisboa!


Ah, o cheiro a molhado! O brilho no alcatrão e nos passeios. As goteiras dos prédios a salpicar quem passa. Chuva! Embala e adormece quem pára para a ouvir passar.
Viva a chuva!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ventanias (interiores) de Outono


Antes de mais nada há que dizer que o título deste texto, excepto os parênteses, não me pertence mas foi descaradamente tirado de um espectáculo de duas importantes amigas. Por isso aqui vai o reconhecimento e a culpa formada pela abusiva apropriação do alheio. Mas é que quando lia uns textos ontem li este título e era realmente tão adequeado ao que sentia, que não hesitei. Aqui está, pois, a confissão e o agradecimento a posteriori.
Até que enfim a meteorologia está de acordo com a minha vida! Com este Outono, para além da constipação habitual de mudança de estação (e logo eu, que gosto de mudanças e alterações…) anda por aí uma ventania pessoal um pouco instável. Boa, claro, mas um pouco atrevida e intrometida na minha estabilidade que me tenho prezado por ir construindo. A vida em Lisboa vai lentamente começando a fazer sentido de modo mais consistente, e agora é que o vendaval tinha de aparecer…
Ao menos sinto-me acompanhado pelo Universo. E isso é bom.
Sinto por companhia o tempo. O tempo na sua vertente atmosférica e centígrada e não propriamente na sua passagem contínua do devir universal, que mais ou menos conscientemente é apercebida pelo sujeito, ou seja, eu mesmo. Sujeito.
O vento é estranho. Aproxima o distante e afasta o que está próximo. É livre, instável, circular, desarruma, altera, não tem um caminho lógico e não tem fim à vista.
É.
(este é, esta afirmação tão concreta e tão sem conteúdo é uma espécie de homenagem a alguém que agora não vem ao caso. Enfim, memórias do passado recente).
A noção de proximidade é também ela uma coisa estranha. O que é ser próximo? Estar próximo? Sentir próximo? E nem vou entrar no significado de próximo da parábola do bom samaritano. Apenas ando às voltas com a proximidade. É surpreendente sentir-me próximo de alguém sem que isso reflicta a quase sempre existente intimidade.
Proximidade sem intimidade? Sem conhecimento?
A surpresa é a aproximação intuitiva, em que o desconhecimento é apagado face a um reconhecimento feliz, inesperado e surpreendente.
Por vezes, nessas situações raras e luminosas, não é necessário o que normalmente se designa de intimidade, para poder existir A intimidade. A verdadeira intimidade. Ou talvez a verdadeira proximidade. É quando estamos lado a lado com o desconhecido e nos sentimos bem, nós mesmos, em casa. Não nos sentimos vigiados, acusados, inquiridos. É como se nos conhecêssemos há muito tempo.
É bom, muito bom, viver que a amizade, ou o amor, ou a presença, pode nascer por ela própria sem todos os mecanismos lógicos e convencionais que utilizamos. E quando acontece, já aconteceu…
E não tenho nem culpa nem mérito de me sentir aproximado. Não sei, não conheço, não imagino, mas sinto-me cativado. Sinto-me próximo e isso deixa-me feliz. Ansioso, é certo, amedrontado, um pouco mesquinho por vezes, atento, frustrado também às vezes, mas no fundo no fundo, feliz!
Feliz por me ter acontecido tanta coisa boa. Pessoas, lugares, momentos. E ainda por cima cativado assim, de repente! Estou feliz por esta aproximação. Fico um pouco triste comigo por a não viver numa inocência que já perdi e que por vezes tento recuperar. Por pôr desejos, sonhos, sobre um acontecimento tão luminoso, pela ansiedade que pode estragar os momentos, por ser esta construção em funcionamento semi-automático de querer, desejar, programar, incluir, apropriar algo que É por si só. Existe em si mesmo. Acontecimento que me transcende e que é uma dádiva da vida, e de Deus e do seu mundo. E esta mania de querer para mim algo que não é meu. Um mundo pessoal e privado que não me pertence. Algo que chega até mim como uma brisa, que ao viver uma esquina se transforma por vezes em vendaval. Mas que me é dado. Uma dádiva. Um dom.
Um vento forte que me enche a vida com a beleza dourada do Outono.
Um acto favorável que me enche os dias de luz e imaginação.
Um momento que me preenche a memória e me lembra que o mundo está atento. Que a vida me dá o que de melhor tem, e que me ilumina a existência com aquelas raras pessoas que em si contêm as quatro estações, o sol e a lua, o vento e o céu, a brisa de um belo e emocionante entardecer, de olhos postos na profundidade do oceano e do seu infinito poder criador.